Sabe aquela farmácia ou supermercado que emite cartão de crédito e faz as cobranças normalmente, como se fosse uma instituição financeira? Então, as coisas não são bem assim… Vamos abordar sobre este tema neste artigo, esperamos poder contribuir um pouco mais para a difusão do conhecimento dos(as) Doutores(as).
Inicialmente, cabe destacar as partes envolvidas em uma operação de cartão de crédito, sendo elas: o cliente/consumidor (quem tem o cartão), o fornecedor (quem efetua a venda do produto ou serviço) e a administradora (quem libera o crédito).
Também se faz necessário abordar sobre o funcionamento dos encargos moratórios e remuneratórios do cartão de crédito:
– Se a fatura é paga integralmente até o vencimento: não há cobrança de IOF;
– Se a fatura é paga parcialmente, sendo o valor igual ou superior ao mínimo em fatura: incide juros remuneratórios;
– Se a fatura é paga abaixo do mínimo ou nenhum valor for pago: incidem juros remuneratórios, moratórios e multa sobre o principal.
Estas informações podem ser vistas com mais detalhes em <https://www.bcb.gov.br/cidadaniafinanceira/cartaodecredito>. Lembrando que o parcelamento do valor remanescente (não pago) funciona como quitação, porém gera um financiamento. Para mais informações, a base legal são as Res. CMN 4.549/2017 e Res. CMN 4.655/2018
Sobre as administradoras, elas podem ser divididas em duas: as que são ligadas à bancos (e integram o Sistema Financeiro Nacional pela Lei nº 4.595/1964) e as não-ligadas à bancos (regidas pelas regras do Código Civil).
Sobre o cenário em que a administradora é ligada à instituição financeira, o REsp n. 450.453-RS aborda sobre o tema:
– As administradoras de cartões de crédito inserem-se entre as instituições financeiras regidas pela Lei nº 4.595/64.
– Cuidando-se de operações realizadas por instituições integrantes do Sistema Financeiro Nacional, não se aplicam as disposições do Decreto nº 22.626/33 quanto à taxa de juros. Súmula nº 596-STF.
Cabe lembrar que o Decreto nº 22.626/33 é conhecido também como “Lei da Usura”. Já mencionada, a Súmula 596 do STF diz que:
As disposições do Decreto 22.626/1933 não se aplicam às taxas de juros e aos outros encargos cobrados nas operações realizadas por instituições públicas ou privadas, que integram o Sistema Financeiro Nacional.
No mesmo caminho segue a Súmula 283 do STJ:
AS EMPRESAS ADMINISTRADORAS DE CARTÃO DE CRÉDITO SÃO INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS E, POR ISSO, OS JUROS REMUNERATÓRIOS POR ELAS COBRADOS NÃO SOFREM AS LIMITAÇÕES DA LEI DE USURA.
Ainda na mesma linha:
Tema 24/STJ: As instituições financeiras não se sujeitam à limitação dos juros remuneratórios estipulada na Lei de Usura (Decreto 22.626/33), Súmula 596/STF.
Tema 25/STJ: A estipulação de juros remuneratórios superiores a 12% ao ano, por si só, não indica abusividade.
Tema 26/STJ: São inaplicáveis aos juros remuneratórios dos contratos de mútuo bancário as disposições do art. 591 c/c o art. 406 do CC/02.
Tema 28/STJ: O reconhecimento da abusividade nos encargos exigidos no período da normalidade contratual (juros remuneratórios e capitalização) descaracteriza a mora.
Por outro lado, o REsp 1.359.624/SP trouxe um riquíssimo debate sobre as administradoras não ligadas à bancos. De início, destaca-se este primeiro trecho do referido REsp:
Do se extrai do exposto acima, as operadoras de cartão de crédito fazem intermediação entre seu cliente e a instituição financeira para fins de cobertura da fatura de serviço não adimplida em sua totalidade.
Ocorre que é necessário distinguir as operadoras em sentido estrito daquelas que são integrantes do sistema financeiro.
Nessa parte, tem razão o BACEN quando defende em seu recurso especial que “dois tipos de instituições podem emitir cartões de crédito, quais sejam: 1) instituições financeiras, que emitem e administram cartões próprios ou de terceiros e concedem financiamento direto aos portadores; 2) administradoras em sentido estrito, que são empresas não financeiras que emitem e administram cartões próprios ou de terceiros, que não financiam os seus clientes”.
Após explanar a diferença entre ambas administradoras, deu seguimento:
Importante notar que as operadoras de cartão de crédito que também são instituições financeiras já sofriam fiscalização ao tempo do ajuizamento da demanda, nos termos do art. 10, IX, da Lei 4.595/1964 (“Art. 10. Compete privativamente ao Banco Central da República do Brasil: IX – Exercer a fiscalização das instituições financeiras e aplicar as penalidades previstas;”), conforme esclarecido pelo BACEN à fl. 474-e.
Quanto às operadoras em sentido estrito, outro entendimento deve ser adotado nasolução da controvérsia.
(…)
Ora, conforme defendido pelo BACEN, no caso de inadimplemento parcial ou total da fatura, a operadora de cartão em sentido estrito não utiliza recursos próprios para honrar os pagamentos aos credores (fornecedores de mercadorias e serviços), e sim busca recursos junto às instituições financeiras para essa finalidade, valendo-se da cláusula constante de contrato de adesão (a cláusula-mandato acima referida).
Essa intermediação, na realidade, não tem natureza financeira, pois, como se sabe, somente as instituições financeiras são autorizadas a conceder crédito no mercado, e assim o fazem transferindo os recursos necessários ao adimplemento da fatura de cartão de crédito, passando o cliente da fatura a figurar como devedor.
Dito de outra forma, essa intermediação não tem natureza financeira porque a operadora de cartão de crédito não capta recursos de forma direta junto aos investidores no mercado financeiro – tal como faz uma instituição financeira no exercício de atividade privativa -, e sim representa o seu cliente junto a uma instituição financeira para obter o crédito necessário para o adimplemento da fatura.
Em razão dessa distinção, não se mostra apropriada a invocação da Súmula 283/STJ (“As empresas administradoras de cartão de crédito são instituições financeiras e, por isso, os juros remuneratórios por elas cobrados não sofrem as limitações da Lei de Usura”) pelo acórdão recorrido, até porque os precedentes que deram ensejo à sua edição cuidaram de resolver outra questão que não a que está em exame nos presentes autos – se as operadoras se enquadrariam ou não na Lei de Usura. (Grifo nosso).
Com isto, se a administradora é vinculada a algum banco ela é instituição financeira, vale a Súmula 283 do STJ, não há limitação de 12% a.a., a abusividade só pode ser comprovada se os juros forem acima de 150% da taxa média, pode haver capitalização de juros e, por fim, segue as regras do Banco Central do Brasil.
Dando seguimento à discussão sobre as administradoras não vinculadas à bancos, cita-se o REsp 1.084.640/SP:
Até a entrada em vigor da Lei Complementar nº 105/2001, que dispõe sobre o sigilo das operações de instituições financeiras, entre outras providências, as administradoras de cartão de crédito, mesmo aquelas vinculadas a bancos, não eram legalmente definidas como instituições financeiras. No art. 1º, § 1º, inciso VI, do referido normativo, as administradoras de cartão de crédito foram inseridas no rol de pessoas jurídicas consideradas instituições financeiras para os efeitos da referida lei complementar.
Assim, até o implemento dessa legislação, as administradoras de cartão de crédito, como regra, valiam-se da cláusula-mandato para captar recursos junto a casas bancárias objetivando quitar faturas não pagas. Posteriormente, com a mudança no cenário legal e o crescimento do mercado de cartões de crédito, diversas administradoras optaram por se transformar/criar instituições financeiras, cumprindo, para tanto, as exigências das autoridades monetárias no tocante à forma societária, capital social mínimo, exigências fiscais, entre outras, a fim de que pudessem operar como bancos.
Por essa razão, atualmente, com exceção de cartões private label, a financeira emissora do cartão concede o financiamento, não havendo que se falar em cláusula-mandato para obter recursos no mercado, uma vez que a própria administradora de cartão/financeira já dispõe do numerário em caixa para saldar eventuais dívidas mediante o financiamento do débito.
Não é esse, no entanto, o caso ora submetido a julgamento, visto que na presente hipótese verifica-se, efetivamente, um cartão do tipo private label, ou seja, a administradora do cartão de crédito não é um banco, razão pela qual o mandato conferido pelos consumidores à operadora, a fim de que esta obtenha recursos no mercado, é elemento essencial para se viabilizar o bom andamento do sistema e do ajuste do contrato, porquanto a operadora, no modelo de operação ora em evidência, não é detentora de recursos próprios ou alheios, a possibilitar a cobertura da dívida contraída pelo usuário que não salda a fatura por completo. (Grifo nosso)
Em suma, o referido REsp 1.084.640/SP ratifica que estas administradoras não são bancos, porém a cláusula-mandato que possibilita as mesmas a tomarem recursos em instituições financeiras (caso esta possibilidade esteja inserta no contrato) é válida. Entretanto, ressalta-se o trecho destacado onde a administradora busca crédito para a quitação da fatura do cliente, trecho este que traz consigo um simples questionamento: por que muitas administradoras não vinculadas a bancos cobram juros de cartão de crédito como as que possuem vínculo com banco se o crédito por ela adquirido nem de longe estão nestes patamares? Assim, os Doutores e Doutoras podem, com base na cláusula-mandato, solicitar que sejam desconstituídas as taxas de juros que ultrapassarem a taxa média paga na obtenção de recursos ou, na ausência da apresentação de tais documentos, a limitação à SELIC.
§ 2º É vedada às instituições de pagamento a realização de atividades privativas de instituições financeiras, sem prejuízo do desempenho das atividades previstas no inciso III do caput .
Logo, não sendo instituição financeira, vale citar a Lei nº 7.492/1986 (crimes contra o Sistema Financeiro Nacional):
Art. 16. Fazer operar, sem a devida autorização, ou com autorização obtida mediante declaração (Vetado) falsa, instituição financeira, inclusive de distribuição de valores mobiliários ou de câmbio:
Pena – Reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.
Por fim, para as administradoras não ligadas à bancos: não vale a Súmula 283 do STJ, nem a Súmula 596 do STF, nem o Tema 24 do STJ simplesmente por não serem instituições financeiras. Por outro lado, vale a regra do Art. 591 do Código Civil:
Art. 591. Destinando-se o mútuo a fins econômicos, presumem-se devidos juros, os quais, sob pena de redução, não poderão exceder a taxa a que se refere o art. 406, permitida a capitalização anual.
Em outras palavras, conforme Art. 406 do CC: SELIC. Esta longa contextualização é necessária para entendermos os porquês de cada ponderação. Esperamos poder agregar um pouco mais para este rico debate. Nós da Oliveira Guimarães – Cálculos e Perícias somos especializados em revisionais bancários, podemos potencializar suas ações tanto para casos de cartão de crédito quanto para muitos casos nesta e em outras áreas. Entre em contato para mais informações!